sábado, 12 de novembro de 2011

Os ensinamentos de Don Juan

Obras do Carlos Castaneda:

- A Erva do Diabo
- Uma Estranha Realidade
- Viagem a Ixtlan
- Porta para o Infinito
- O Segundo Círculo do Poder
- O Presente da Águia
- O Fogo Interior
- O Poder do Silêncio
- A Arte do Sonhar
- O Lado Ativo do Infinito
- Passes Mágicos
- A Roda do Tempo
- Conversando com Carlos Castaneda

Resumo dos ensinamentos de Dom Juan:

Um guia é chamado o nagual, e o nagual é um homem ou uma mulher com energia extraordinária, um professor que tem sobriedade, resistência, estabilidade. Por causa da extraordinária energia, os naguais são intermediários. Sua energia permite-lhes canalizar paz, harmonia, alegria e conhecimento diretamente da fonte, do intento, e transmiti-los a seus companheiros. Os naguais são responsáveis por proporcionar ‘a oportunidade mínima’: a consciência da conexão do indivíduo com o intento.
Nagual é um termo genérico que se aplica a um feiticeiro de cada geração que possui uma configuração energética específica que o diferencia dos demais. Não em termos de superioridade ou inferioridade, ou nada do gênero, mas em termos de capacidade de ser responsável.
Só um nagual tem a capacidade energética de ser responsável pelo destino de seus companheiros. Cada um de seus companheiros sabe disso e aceita.
Desde o tempo do nagual Lujan, que viveu há cerca de 200 anos, há uma união conjunta de esforços, compartilhada por um homem e uma mulher. O homem nagual traz sobriedade; a mulher nagual traz inovação.
Ser um feiticeiro significa alcançar um nível de consciência que dá acesso a coisas inconcebíveis.
As ações dos feiticeiros existem exclusivamente no reino do abstrato, do impessoal. Os feiticeiros lutam para alcançar uma meta que nada tem a ver com as buscas do homem comum. As aspirações dos feiticeiros são alcançar o infinito, e ser conscientes dele.
O nagual é conhecedor da força que nos mantém como uma unidade coesa. O nagual pode fixar a sua atenção total, por uma fração de segundo, sobre essa força e paralisar a outra pessoa.
No nagual existe o vazio, um vazio que não reflete o mundo, mas o infinito.
No momento em que se cruza o umbral peculiar do infinito, seja deliberadamente ou involuntariamente, tudo o que se passa daí por diante já não está exclusivamente no domínio da própria pessoa, mas entra no reino do infinito.
Nossos passos foram guiados pelo infinito. As circunstâncias que parecem ser regidas pelo acaso são em essência guiadas pelo lado ativo do infinito: o intento.
O que nos reúne é o intento do infinito.
Para os feiticeiros não há ponderação, espanto ou especulação. Sabem que tudo o que têm é a possibilidade de unir-se com o intento do infinito e eles fazem exatamente isso.
Don Juan Matus, por um lado, era extremamente quieto e introspectivo; por outro, extremamente aberto e engraçado. Seu vazio refletia o infinito. Não havia agitação de sua parte, ou asserções sobre o eu. Não havia nem uma migalha de necessidade de ter ressentimentos ou remorsos. O seu vazio era o vazio do guerreiro-viajante, experiente ao ponto de não considerar nada como certo. Um guerreiro viajante que não subestima nem superestima nada. Um lutador sereno, disciplinado, cuja elegância é tão extrema que ninguém, não importa o quanto se esforce para ver, jamais encontrará a costura onde toda essa complexidade se reúne.
Os feiticeiros não guardam nada com eles. Esvaziarem-se dessa maneira é uma maneira de feiticeiro. Leva-os a abandonar a fortaleza do eu.
Atos maliciosos são executados por pessoas pelo ganho pessoal. Os feiticeiros, no entando, têm um propósito ulterior para seus atos, que nada tem a ver com ganho pessoal. O homem comum age apenas se há oportunidade de lucro. Os guerreiros dizem que agem não pelo lucro mas pelo espírito.

1- espreita
2- intento
3- mover o ponto de aglutinação

- a maestria da consciência
- a arte da espreita
- maestria do intento

A maestria da consciência é o enigma da mente; a perplexidade que os feiticeiros experimentam quando reconhecem o espantoso mistério e propósito da consciência e da percepção.
A arte da espreita é o enigma do coração. Espreitar é um procedimento muito simples. É comportamento especial que segue certos princípios. É um comportamento secreto, furtivo, enganoso, designado a provocar um choque. Quando você espreita a si mesmo, vc choca a si mesmo, usando seu próprio comportamento de um modo implacável e austucioso.
Um guerreiro espreita a si mesmo, implacavelmente, com esperteza, paciência e docilmente. Espreita é a arte de usar comportamento de maneiras novas para propósitos específicos.

A arte de espreitar
Os 4 passos: implacabilidade, esperteza, paciência e doçura.
Implacabilidade não deveria ser rudeza, esperteza não deveria ser crueldade, paciência não deveria ser negligência e doçura não deveria ser tolice.
Seja implacável mas encantador.
Seja esperto mas simpático.
Seja paciente mas ativo.
Seja doce mas letal.
Não ceder ao medo mental ou físico.
No estado de consciência intensificada não desperdiçar energia com abstrações contemplativas. Mover os olhos em círculos quando algo prender sua atenção. Não olhar para o objeto da atenção.
Um guerreiro necessita de foco, ser preciso.
A consciência intensificada é como um trampolim. A partir deste um indivíduo pode saltar para o infinito.
Quando o ponto de aglutinação está desalojado, aloja-se outra vez numa posição muito próxima da costumeira ou continua movendo-se para o infinito.
Se continuamos com nosso comportamento desnecessário, podemos conseguir empurrar nosso ponto de aglutinação além de um certo ponto do qual não há regresso.
A egomania é um tirano real.
O comportamento humano normal no mundo da vida cotidiana era rotina. Qualquer comportamento que escapava à rotina causava um efeito incomum em nosso ser total. Esse efeito incomum era o que os feiticeiros buscavam, pq era cumulativo.
O conhecimento da morte é o que nos dá sobriedade. Sem uma visão clara da morte não há ordem, nem sobriedade, nem beleza, nem coragem. Coragem de ser atencioso sem ser vaidoso. Coragem de ser implacável sem ser convencido.
Espreitar a si mesmo para quebrar o poder de suas objeções. A vida é um processo pelo qual a morte nos desafia. A morte é a força ativa. A vida é a arena. Nessa arena há o próprio ser e a morte. Podemos nos elevar acima de todas as possibilidades e derrotarmos a morte.
Implacabilidade: o oposto de autopiedade.
A única maneira de pensar com clareza é não pensar de modo algum.
É possível parar de pensar intentando um movimento de seu ponto de aglutinação. O intento é chamado com os olhos. A implacabilidade é mostrada nos olhos dos feiticeiros, que são brilhantes. Quanto maior o brilho, tão mais implacável o feiticeiro. Quando o ponto de aglutinação se move para o lugar da não-piedade, os olhos começam a brilhar. Quanto mais firme o ponto de aglutinação em sua nova posição, tanto mais os olhos brilham. Os olhos são diretamente ligados ao intento.
Os olhos são conectados apenas superficialmente ao mundo da vida cotidiana. Sua conexão mais profunda é com o abstrato.
Os feiticeiros armazenam sua energia, o que significa uma conexão mais precisa, mais clara com o intento.
A guerra é um estado natural para um guerreiro, a paz uma anomalia. Mas a guerra para um guerreiro não significa atos de estupidez individual ou coletiva ou de violência sangrenta. A guerra, para um guerreiro, é uma luta total contra aquele eu individual que privou o homem de seu poder.
A auto-estima é a força gerada pela auto-imagem do homem. Essa força é que mantém o ponto de aglutinação fixo onde está no presente. O ataque do caminho dos guerreiros é voltado a destronar a auto-estima. E tudo que os feiticeiros fazem é na direção de realizar esse objetivo.
Os feiticeiros haviam desmascarado a auto-estima e descoberto que esta é a autopiedade disfarçada de alguma outra coisa.
A autopiedade é o inimigo real e a fonte da miséria do homem.
A consciência intensificada é o portal do intento.
A maior diferença entre o homem médio e um feiticeiro é que o feiticeiro comanda a morte com sua velocidade.
No mundo dos feiticeiros, a morte normal podia ser revogada, mas não a palavra do feiticeiro.
Através do conhecimento silencioso sabe-se do poder a ser obtido ao mover-se o ponto de aglutinação.
Com um movimento dos pontos de aglutinação pode-se manipular os sentimentos e mudar coisas. Isso chama-se intento.
Possivelmente qualquer ser humano sob condições normais de vida teve a oportunidade de livrar-se das amarras da convenção. Não me refiro à convenção social, mas àquelas que amarram nossa percepção. Um momento de sublimidade seria suficiente para mover nossos pontos de aglutinação e quebrar as convenções. Assim, também, o momento de pavor, doença, raiva ou tristeza. Mas ordinariamente, sempre que tínhamos a oportunidade de mover os pontos de aglutinação, ficávamos assustados. Nossa formação acadêmica, religiosa e social iria entrar em jogo. Iria assegurar retorno seguro ao rebanho, o retorno de nossos pontos de aglutinação à proposta prescrita da vida normal.
Para o movimento do ponto de aglutinação fazer sentido, é necessário ter energia para flutuar do lugar da razão para o lugar do conhecimento silencioso.
Intentar o movimento de seu ponto de aglutinação é uma realização, é algo pessoal. É necessária, mas não significa a parte importante. Não é o resíduo pelo qual os feiticeiros procuram. A idéia do abstrato, do espírito, é o único fator importante. A idéia do eu pessoal não tem valor algum. Não colocar a si mesmo e seus próprios sentimentos na frente.
Toda vez que tiver oportunidade, aja consciente da necessidade de abstrair. Abstrair significa fazer você mesmo disponível ao espírito, estando consciente dele.
Uma das coisas mais dramáticas a respeito da condição humana era a conexão macabra entre a estupidez e a auto-reflexão. Intento inflexivo é uma espécie de obstinação exibida pelos seres humanos; um propósito extremamente bem definido não controvertido por quaisquer interesses ou desejos conflitantes; também é a força engendrada quando o ponto de aglutinação se mantém fixo numa posição que não é usual.
O movimento do ponto de aglutinação era uma profunda mudança de posição, tão extrema que o ponto de aglutinação poderia mesmo alcançar outras faixas de energia no interior de nossa massa total luminosa. Cada faixa de energia representa um universo completamente diferente a ser percebido. Um deslocamento, entretanto, é um movimento pequeno no interior da faixa de campos de energia, que percebemos como um mundo da vida cotidiana.
Os feiticeiros viam o intento inflexivo como um catalisador para desencadear suas decisões imutáveis; ou como o inverso: suas decisões imutáveis eram o catalisador que propelia seus pontos de aglutinação a novas posições, as quais geravam o intento inflexivo.
Cada um de nós tem uma fissura energética, uma brecha energética abaixo do umbigo. Essa abertura, que os feiticeiros chamam de fenda, está fechada quando uma pessoa está no seu auge.
Silêncio interior é um estado especial de ser, em que pensamentos são cancelados e pode-se funcionar a partir de um outro nível que não o da consciência cotidiana. Significa a suspensão do diálogo interno – o eterno companheiro dos pensamentos. É um estado de profunda quietude. É um estado em que a percepção não depende dos sentidos. O que está funcionando durante o silêncio interior é outra faculdade que o homem tem, a faculdade que o torna um ser mágico, mas que foi restringida...
Atos para a busca do silêncio interior: pular em cachoeiras, passar noites dependurado de cabeça p/ baixo de um galho do alto de uma árvore.
O silêncio interior se acumula, aumenta.
O resultado desejado é o que os velhos feiticeiros chamam de ‘parar o mundo’, o momento em que tudo à nossa volta cessa de ser o que sempre foi. Este é o momento em que os feiticeiros voltam para a verdadeira natureza do homem. Os feiticeiros antigos também chamavam-no de liberdade total. É o momento em que o homem escravo torna-se um ser livre, capaz de feitos de percepção que desafiam a nossa imaginação linear. É o caminho que leva a uma verdadeira suspensão do julgamento – a um momento em que a informação sensorial que emana do universo em liberdade deixa de ser interpretada pelos sentidos; o momento em que a cognição cessa de ser a força que, através do uso e da repetição, decide a natureza do mundo.
Os feiticeiros precisam do ponto de ruptura para que o funcionamento do silêncio interior comece.
Esgotamentos nervosos são para as pessoas condescendentes com elas mesmas.
Não é possível continuar no caminho dos guerreiros levando sua história pessoal consigo.
Os feiticeiros só têm um ponto de referência: o infinito.
Um feiticeiro percebe suas ações com profundidade. Suas ações são tridimensionais para ele. Eles têm um 3º ponto de referência. Para atingir o 3º ponto de referência é preciso perceber 2 lugares ao mesmo tempo.
“o elo de conexão com o intento é o particular universal partilhado por tudo que existe.”
Estar em dois lugares ao mesmo tempo era um marco usado pelos feiticeiros para anotar o momento em que o ponto de aglutinação alcançava o lugar do conhecimento silencioso. Percepção dividida, se realizado por meios do próprio indivíduo, era chamado o movimento livre do ponto de aglutinação.
Protetor silencioso é uma onda de energia inexplicável que vem a um guerreiro quando nada mais funciona. Opções de feiticeiro são posições do ponto de aglutinação. Um número infinito de posições que o ponto de aglutinação pode alcançar. Em cada uma e em todas essas mudanças rasas e profundas, um feiticeiro pode reforçar sua nova continuidade. O efeito desses movimentos do ponto de aglutinação é cumulativo. (consciência intensificada)
“Não há liberdade sem a intervenção do nagual.” (Julian)
A luta dos feiticeiros pela certeza é a luta mais dramática que há. É dolorosa e cara. Muitas vezes custou realmente as vidas de feiticeiros.
Qualquer feiticeiro para ter completa certeza sobre seus atos, sobre sua posição no mundo dos feiticeiros, ou de ser capaz de utilizar com inteligência sua nova continuidade, deve invalidar a continuidade de sua antiga vida. Apenas então suas ações podem ter a necessária segurança para fortalecer e equilibrar a fragilidade e instabilidade de sua nova continuidade.
Os feiticeiros videntes dos tempos modernos chamam esse processo de invalidação do passaporte para a impecabilidade, ou a morte simbólica mas final dos feiticeiros.
Morri naquele campo. Senti minha consciência fluindo para fora de mim e dirigindo-se na direção da águia. Mas como eu havia recapitulado impecavelmente minha vida, a águia não me devorou a consciência. A águia cuspiu-me para fora. Porque meu corpo estava morto no campo, ela não me deixou seguir diretamente para a liberdade. Era como se me dissesse para voltar e tentar outra vez.
Até o próprio momento da descida do espírito, qualquer um de nós poderia afastar-se do espírito, mas não depois.
O 4º cerne abstrato – ato de revelação.
Há uma passagem que uma vez cruzada não permite regresso.
Os feiticeiros nunca procuram por ninguém.
A passagem de um feiticeiro para a liberdade era sua morte.
O grande truque dos feiticeiros é estar consciente de que estão mortos. Seu passaporte para a impecabilidade deve estar envolto em consciência. Nessa consciência seu passaporte é mantido em estado de novo (por anos).
As explicações nunca são desperdiçadas, porque ficam expressas em nós para uso imediato ou posterior, ou para ajudar a preparar nosso caminho para alcançar o conhecimento silencioso.
O conhecimento silencioso é uma posição geral do ponto de aglutinação, que eras atrás havia sido a posição normal do homem, mas que por razões que seriam impossíveis de determinar, o ponto de aglutinação do homem moveu-se daquela localização específica e adotou uma nova, chamada ‘razão’. O lugar da ‘não-piedade’ era o predecessor do conhecimento silencioso. O lugar da ‘concernência’ era o predecessor da razão.
Quando o ponto de aglutinação está no lugar do conhecimento silencioso é porque a conexão com o espírito está muito clara.
Uma das diferenças mais dramáticas entre o homem civilizado e os feiticeiros era a maneira pela qual a morte chegava para eles. Apenas com feiticeiros guerreiros a morte era gentil e doce. A morte aguardava por tanto tempo quanto os feiticeiros necessitassem.
O problema dos feiticeiros é a impossibilidade de restaurar uma continuidade estilhaçada; e a impossibilidade tbm de usar a continuidade ditada pela nova posição de seus pontos de aglutinação, pois a nova continuidade é sempre tênue e instável demais, e não oferece aos feiticeiros a segurança que necessitam para funcionar como se estivessem no mundo da vida cotidiana.
A impecabilidade é tudo o que conta.
Um feiticeiro vive uma vida impecável, e isto parece atrair a solução para qualquer problema.
A impecabilidade não é moralidade. É simplesmente o melhor uso de nosso nível de energia. E isso exige frugalidade, simplicidade, inocência; e, acima de tudo, exige falta de auto-reflexão. Tudo isso a faz soar como um manual de vida monástica, mas não é.
Segundo os feiticeiros, para comandar o espírito, ou seja, comandar o movimento do ponto de aglutinação, o indivíduo necessita de energia. A única coisa que armazena energia para nós é nossa impecabilidade. Algumas vezes devido a circunstâncias naturais, embora dramáticas, tais como a guerra, as privações, o stress, a fadiga, a tristeza, a impotência, os pontos de aglutinação dos homens empreendem profundos movimentos.
Se os homens que se encontram em tais circunstâncias fossem capazes de adotar uma ideologia de feiticeiro, seriam capazes de maximizar aquele movimento natural sem problemas. E iriam procurar e encontrar coisas extraordinárias em vez de fazerem o que os homens fazem em tais circunstâncias: ansiarem pelo retorno à normalidade.
Quando o movimento do ponto de aglutinação é maximizado, tanto o homem comum quanto o aprendiz de feiticeiro se tornam um feiticeiro, porque, ao maximizar aquele movimento, a continuidade é desmantelada além da reparação.
Maximizamos o movimento do ponto de aglutinação inibindo a auto-reflexão. Mover o ponto de aglutinação ou quebrar a continuidade de um indivíduo não é a dificuldade real. O difícil é concentrar energia. Se o indivíduo tem energia, uma vez que o ponto de aglutinação se move, coisas inconcebíveis estão ali, bastando pedi-las.
A situação do homem é que ele intui seus recursos ocultos, mas não ousa usa-los. É por isso que os feiticeiros dizem que a luta do homem é o contraponto entre sua estupidez e sua ignorância. O homem necessita agora, mais do que nunca, que lhe ensinem novas idéias que tenham a ver exclusivamente com seu mundo interior – idéias de feiticeiros, idéias pertinentes ao homem encarando o desconhecido, encarando sua morte pessoal. Agora, mais do que nunca, ele necessita aprender os segredos do ponto de aglutinação.
O espírito é indefinível. Não se pode sequer senti-lo, muito menos falar a respeito. Pode-se apenas acenar para ele, reconhecendo sua existência.
O som e o significado das palavras são de suprema importância para os espreitadores. As palavras são usadas por eles como chaves para abrir tudo o que estiver fechado. Os espreitadores, portanto, tem de afirmar seu objetivo antes de tentar alcançar. Mas não pode revelar seu alvo verdadeiro no início, de modo que deve verbalizar as palavras com cuidado para esconder a intenção principal. Esse ato é o acordar do intento.
A posição do conhecimento silencioso é considerado o terceiro ponto porque para chegar a ele é preciso passar pelo segundo ponto, o lugar da não-piedade.
Quando o ponto de aglutinação adquire suficiente fluidez o indivíduo se duplica, o que o permite estar tanto no lugar do conhecimento silencioso quanto no da razão, seja alternadamente ou ao mesmo tempo.
Cada ser humano tem uma capacidade para essa fluidez. Para a maioria de nós, entretanto, está guardada e nunca a usamos, exceto nas raras ocasiões em que são provocadas pelos feiticeiros, como por dramáticas circunstâncias naturais, tais como uma luta de vida ou morte.
A humanidade se encontra no primeiro ponto, a razão, mas nem todo ponto de aglutinação dos seres humanos fica exatamente na posição da razão. Aqueles que estão exatamente em seu próprio ponto são os verdadeiros líderes da humanidade. Na maior parte do tempo, pessoas desconhecidas cujo gênio é exercitar sua razão.
A humanidade passou a parte mais longa de sua história na posição do conhecimento silencioso, e isso explica nosso grande anseio por ele.
Apenas um ser humano que seja um modelo da razão pode mover seu ponto de aglutinação com facilidade e ser um modelo do conhecimento silencioso.
Apenas aqueles que estavam exatamente em qualquer das posições podiam ver a outra posição com clareza, esta foi a maneira pela qual a idade da razão veio a existir. A posição da razão era vista claramente da posição do conhecimento silencioso.
A ponte de mão única do conhecimento silencioso para a razão era chamada “concernência”. Isto é, a concernência que os verdadeiros homens do conhecimento silencioso tinham acerca da fonte do que conheciam. E a outra ponte de mão única, da razão para o conhecimento silencioso, era chamada “entendimento puro”. Isto é, o reconhecimento que revelou ao homem da razão que a razão era apenas uma ilha num mar infinito de ilhas.
Um ser humano que tenha as duas pontes de mão única funcionando era um feiticeiro em contato direto com o espírito, a força vital que fazia ambas as posições possíveis.
O espírito apenas ouve quando o discurso é feito através de gestos, que não significam sinais ou movimentos corporais, mas atos de abandono verdadeiro, atos de liberalidade, de humor. Como um gesto para o espírito, os feiticeiros trazem o melhor de si e em silêncio oferecem-no ao abstrato.
Os feiticeiros contavam suas vidas em horas, em uma hora era possível ao feiticeiro viver o equivalente em intensidade a uma vida normal. Essa intensidade é uma vantagem quando se trata de armazenar informação num movimento do ponto de aglutinação. O ponto de aglutinação, mesmo com o deslocamento mais diminuto, cria ilhas totalmente isoladas de percepção. A informação na forma de experiência na complexidade da consciência pode ser armazenada ali. A informação é armazenada na própria experiência. Mais tarde, quando um feiticeiro move seu ponto de aglutinação ao local exato onde estava, revive a experiência total. Essa recordação dos feiticeiros é a maneira de recuperar toda a informação armazenada no movimento do ponto de aglutinação.
Intensidade é um resultado automático do movimento do ponto de aglutinação. Por exemplo, você está vivendo esses momentos com mais intensidade do que o faria ordinariamente; assim, propriamente falando, você está armazenando intensidade. Algum dia você irá reviver esse momento fazendo seu ponto de aglutinação retornar ao local preciso onde está agora. Essa é a maneira dos feiticeiros armazenarem informação.
A intensidade, sendo um aspecto do intento, está conectada naturalmente ao brilho dos olhos dos feiticeiros. Para relembrar essas ilhas isoladas de percepção, os feiticeiros necessitam apenas intentar o brilho particular de seus olhos associados com a localização à qual desejem regressar.
Porque sua taxa de intensidade é maior do que o normal, em poucas horas um feiticeiro pode viver o equivalente a uma vida normal inteira. Seu ponto de aglutinação, mudando para a posição não familiar, absorve mais energia do que o normal. Esse fluxo extra de energia é chamado intensidade..
A experiência dos feiticeiros é tão bizarra que os feiticeiros a consideram um exercício intelectual, e usam-na para espreitar-se. Seu trunfo como espreitadores, entretanto, é que permanecem agudamente conscientes de que são os perceptores de que a percepção tem mais possibilidades do que a mente pode conceber.
Para proteger-se daquela intensidade os feiticeiros aprendem a manter uma mistura perfeita de implacabilidade, astúcia, paciência e doçura. Essas 4 bases estão inexplicavelmente interligadas. Os feiticeiros cultivam-nas intentando-as. Essas bases são, naturalmente, posições do ponto de aglutinação.
Qualquer ato executado por qualquer feiticeiro era por definição governado por esses 4 princípios. Assim falando propriamente, cada ação de cada feiticeiro é deliberada em pensamento e realização, e tem a mistura específica dos 4 fundamentos da espreita.
Os feiticeiros usam as 4 disposições da espreita como guias. Trata-se de 4 estruturas mentais diferentes, 4 mesclas distintas de intensidade que os feiticeiros podem usar para introduzir seus pontos de aglutinação a se moverem a posições específicas.
Nossa racionalidade nos coloca entre uma pedra e um lugar rijo. Nossa tendência é ponderar, questionar, esclarecer. E não há como fazer isso na disciplina da feitiçaria. Ela é o ato de atingir o lugar do conhecimento silencioso, e o conhecimento silencioso não pode ser raciocinado. Pode ser apenas experimentado.
Os feiticeiros, num esforço para se protegerem do avassalador efeito do conhecimento silencioso, desenvolveram a rte de espreitar. A espreita move o ponto de aglutinação diminuta mas firmemente, propiciando, desse modo, tempo aos feiticeiros e, portanto, a possibilidade de se escorarem.
Na arte de espreitar há uma técnica que os feiticeiros usam muito: loucura controlada. Segundo eles, a loucura controlada é a única maneira que têm de lidar consigo mesmos, em seu estado de consciência e percepção expandidas, e com todos e tudo no mundo dos afazeres diários.
A loucura controlada é a arte do engano controlado ou a arte de fingir estar profundamente imerso na ação – fingindo tão bem que ninguém pudesse distingui-lo da coisa real. A loucura controlada não é um engano direto, mas um modo sofisticado, artístico, de estar separado de tudo permanecendo ao mesmo tempo uma parte de tudo.
A loucura controlada é uma arte que causa muitas preocupações, e muito difícil de se aprender. Muitos feiticeiros não suportam isso, não porque haja alguma coisa inerentemente errada com a arte, mas porque é preciso muita energia para exerce-la.
Don Juan admitiu que a praticava conscienciosamente, embora não gostasse particularmente de fazê-lo, talvez porque seu benfeitor fosse tão adepto a ela. Ou talvez fosse porque sua personalidade – que ele disse ser basicamente tortuosa e mesquinha – simplesmente não tinha agilidade necessária para praticar a loucura controlada.
Na época em que chegamos à feitiçaria, nossa personalidade já está formada e tudo que podemos fazer é praticar a loucura controlada e rir de nós mesmos.
Os espreitadores que praticam a loucura controlada acreditam que, em questão de personalidade, a raça humana inteira entra em três categorias. Os espreitadores acham que não somos tão complexos como pensamos ser e que todos pertencemos a uma das três categorias. As pessoas da primeira classe são os secretários perfeitos, assistentes, companheiros. Têm uma personalidade muito fluida, mas sua fluidez não é nutrida. São, entretanto, serviçais, preocupados, totalmente domésticos, dispõem de recursos dentro de certos limites, são bem-humorados, têm boas maneiras, são doces e delicados. Em outras palavras, são as pessoas mais simpáticas que alguém pode encontrar, mas têm uma enorme falha: não conseguem funcionar sozinhas. Estão sempre necessitadas de alguém para dirigi-las. Com direção, são perfeitas, não importando quão difícil ou antagônica essa direção possa ser. Entregas a si mesmas, perecem.
As pessoas da segunda classe não são nem um pouco simpáticas. São mesquinhas, vingativas, invejosas, ciumentas, autocentradas. Falam exclusivamente sobre si mesmas e em geral esperam que as pessoas se enquadrem em seus padrões. Sempre tomam a iniciativa mesmo quando não se sentem confortáveis com ela. Ficam profundamente desconfortáveis em qualquer situação e nunca relaxam. São inseguras e nunca conseguem ser agradadas; quanto mais inseguras se tornam, mais desagradáveis ficam. Sua falha fatal é que matariam para ser líderes.
Na terceira categoria estão as pessoas que não são simpáticas nem desagradáveis. Não servem e não se impõem a ninguém. Antes, são indiferentes. Têm uma idéia exaltada acerca de si mesmas derivada unicamente de divagações de pensamento desejoso. Se são extraordinárias em alguma coisa, é em esperar que as coisas aconteçam. Estão esperando ser descobertas e conquistadas e têm uma maravilhosa facilidade para criar a ilusão de que têm grandes coisas em suspenso, que sempre prometem liberar mas nunca fazem porque, na verdade, não dispõem de tais recursos.
Não existe combinação. Todos nós estamos aprisionados numa dessas três categorias para a vida toda, sem esperança de mudança ou redenção, exceto que permanecia um caminho para a redenção. Os feiticeiros haviam há muito tempo aprendido que apenas nossa auto-reflexão pessoal caía numa das três categorias.
O problema conosco é que nos tomamos a sério. Independente da categoria na qual se encaixa nossa auto-imagem, isto só importa por causa da nossa auto-estima. Se não fossemos tão auto-importantes, não importaria nem um pouco em qual categoria entraríamos.
Recapitulando os cernes básicos discutidos: as manifestações do espírito, o assalto do espírito, as artimanhas do espírito, a descida do espírito, os requisitos do intento e o manejo do intento.
Para o nagual Julian, a auto-estima era um monstro de três mil cabeças. E o indivíduo podia encara-lo em qualquer uma das três maneiras. A primeira delas era cortar uma cabeça de cada vez; a segunda era alcançar aquele misterioso estado de ser chamado o lugar da não-piedade, que destruía a uto-estima, matando-a lentamente à míngua; e a terceira era pagar com a própria morte simbólica pela aniquilação instantânea do monstro de três mil cabeças.
O nagual Julian recomendou a terceira alternativa. Mas avisou a Don Juan que poderia se considerar um afortunado se tivesse oportunidade de escolher, pois era o espírito que em geral determinava de que modo o feiticeiro deveria ir, e era dever do feiticeiro seguir.
Don Juan disse que, como me guiara, seu benfeitor o guiara para cortar as três mil cabeças da auto-estima uma por uma, mas que os resultados foram muito diferentes.
O homem possui um lado escuro, sim, e é chamado estupidez.
A consciência humana é como uma imensa casa mal-assombrada. A consciência da vida cotidiana é como estar trancado num quarto daquela imensa casa para a vida toda. Entramos no quarto através de uma abertura mágica: o nascimento. E saímos através de outra dessas aberturas mágicas: a morte. Os feiticeiros, entretanto, eram capazes de encontrar ainda outra abertura e conseguiam deixar aquele quarto fechado enquanto ainda vivos. Uma realização soberba. Mas sua realização mais impressionante é que, quando escapam daquele aposento selado, escolhem a liberdade. Preferem deixar aquela casa imensa mal-assombrada inteiramente em vez de ficarem perdidos em outras partes dela.
A morbidez é a antítese da onda de energia que a consciência necessita para alcançar a liberdade. A morbidez faz os feiticeiros perderem o caminho e ficarem aprisionados nos becos intrincados e escuros do desconhecido.
A companhia de um nagual é muito cansativa. Produz uma estranha fadiga, podendo mesmo ser injuriosa, o que é relativo porque Castañeda não sentia isso em relação a Don Juan.
Don Juan aconselhava-o a não pensar a respeito dos cernes básicos, mas sim fazer seu ponto de aglutinação se mover na direção do lugar do conhecimento silencioso. Mover o ponto de aglutinação é tudo, mas não significa nada se não for um movimento sóbrio e controlado. Portanto, feche a porta da auto-reflexão. Seja impecável e terá a energia para atingir o lugar do conhecimento silencioso.

Período de maturação, de restauras energias.
Caminho à plenitude e ao bem-estar
Disciplina, perseverança.
Consciência, espreita, intenção.

Em estado de consciência intensificada, não podia deixar de maravilhar-me com o sentimento de que um véu tivesse sido removido de meus olhos, como se eu estivesse parcialmente cego antes e agora pudesse ver. A liberdade, a pura alegria que me possuíam nessas ocasiões não podem ser comparadas com nenhuma outra coisa que jamais tenha sentido. Entretanto, ao mesmo tempo, havia uma assustadora sensação de tristeza e saudade que vinha de mãos dadas com aquela alegria e liberdade. Don Juan tinha dito que não se pode ser completo sem tristeza e saudade, pois sem tais coisas não existe sobriedade, nem benevolência, e conhecimento sem sobriedade é inútil.
Exercitar o autocontrole e ser capaz de canalizar minhas atividades para metas pragmáticas, que irão beneficiar o homem em geral.
Os guerreiros elaboram listas estratégicas. Anotam tudo o que fazem. Depois decidem quais dessas coisas podem ser mudadas de modo a permitir que poupem parte da energia que dispedem. A lista estratégica cobre apenas padrões de comportamento que não são essenciais à nossa sobrevivência e bem-estar. Nas listas estratégicas dos guerreiros, a vaidade figura como atividade que consome a maior quantidade de energia. Uma das primeiras preocupações dos guerreiros é libertar aquela energia para poder encarar o desconhecido com ela. A ação de recanalizar aquela energia é a impecabilidade.
Cinco elementos da espreita: controle, disciplina, paciência, oportunidade e vontade (para os que lutam para perder a vaidade). O sexto elemento é o pequeno tirano: um atormentador, alguém que ou mantém poder de vida e morte sobre os guerreiros ou simplesmente os perturba levando-os à distração. O que transforma os seres humanos em pequenos tiranos é a manipulação obsessiva do conhecido.
Como é engenhoso e eficiente o artifício de usar um pequeno tirano! A estratégia não apenas elimina a vaidade, como também prepara os guerreiros para a compreensão final de que a impecabilidade é a única coisa que conta no caminho do conhecimento.
O guerreiro que tropeça num pequeno tirano é um guerreiro afortunado.
O 1º passo é a decisão de tornar-se aprendiz. Depois que os aprendizes mudam sua visão sobre si mesmos e sobre o mundo dão o 2º passo e tornam-se guerreiros, ou seja, seres capazes de extrema disciplina e autocontrole. O 3º passo, depois de adquirirem paciência e senso de oportunidade, é tornar-se um homem de conhecimento. Quando homens de conhecimento aprender a ver, dão o 4º passo, tornando-se videntes. Os atributos de controle e disciplina referem-se a um estado interior. Um guerreiro é auto-orientado, não de modo egoísta, mas no sentido de um exame total e contínuo de si mesmo.
Paciência e oportunidade não são realmente um estado interior. Estão no domínio do homem de conhecimento.
A idéia de usar um pequeno tirano não serve apenas para aperfeiçoar o espírito do guerreiro, mas também para diversão e feliciade. Mesmo os piores tiranos podem trazer encanto, naturalmente desde que a pessoa seja um guerreiro. O engano que os homens comuns cometem ao se confrontarem com pequenos tiranos é não possuírem uma estratégia que os apóie; a falha fatal é que os homens comuns levam-se demais a sério; suas ações e sentimentos, assim como as ações e sentimentos dos pequenos tiranos, são de suma importância. Os guerreiros não apenas têm uma estratégia bem elaborada, como estão livres da vaidade. O que restringe sua vaidade é que eles compreenderam que a realidade é uma interpretação que fazemos.
Os pequenos tiranos levam-se mortalmente a sério, ao contrário dos guerreiros. Pode-se derrotar alguns pequenos tiranos usando apenas essa simples percepção.
Qualquer homem que tenha o pingo de orgulho dilacera-se quando o fazem sentir desvalorizado.
“Eu fazia tudo o que ele me pedia com satisfação. Era alegre e forte. Não me importava com meu orgulho ou meu medo. Ali estava com um guerreiro impecável. Dominar o espírito quando alguém está pisando em você chama-se controle. Em vez de sentir pena de si mesmo, recomenda-se trabalhar, anotando os pontos fortes do homem, suas fraquezas, as características de seu comportamento. Juntar informações acerca dos pontos fortes dos pequenos tiranos enquanto é atacado chama-se disciplina. Segundo os novos videntes, um pequeno tirano perfeito não tem qualquer aspecto positivo.
Paciência é esperar calmamente – sem pressa, sem ansiedade. Trata-se de um simples e alegre adiamento do que é devido.
Saber que está se esperando e saber pelo que se está esperando, é aí que está a grande alegria do guerreiro.
A estratégia consiste em embaraçar sistematicamente o pequeno tirano, obtendo uma proteção de ordem superior, um escudo.
O sentido de oportunidade é a qualidade que governa a liberação de tudo o que está contido. Controle, disciplina e paciência são como um dique por trás do qual tudo é represado. O sentido de oportunidade é a abertura do dique.
Em momento algum senti pena de mim mesmo ou chorei de impotência. Permaneci alegre e sereno.
Paciência significa reter com o espírito algo que o guerreiro sabe que, por justiça, deve fazer. Isto não significa que um guerreiro saia por aí planejando causar prejuízos a alguém ou acertar contas passadas. A paciência é algo independente. Desde que o guerreiro tenha controle, disciplina e sentido de oportunidade, a paciência assegura dar o que se deve a quem quer que o mereça.
Os novos videntes usavam pequenos tiranos não apenas para livrar-se de sua vaidade, mas também para realizar a manobra muito sofisticada de se deslocar para fora deste mundo (domínio da consciência).
Todos os que se juntam ao pequeno tirano são derrotados. Agir com raiva, sem controle e disciplina, não ter paciência, é ser derrotado.
Depois que os guerreiros são derrotados eles ou se reagrupam ou abandonam a busca de conhecimento e juntam-se às fileiras dos pequenos tiranos por toda vida. Uma das maiores forças nas vidas dos guerreiros é o medo. Ele estimula-os a aprender.
Os guerreiros preparam-se para ser conscientes e a consciência plena só chega quando não há mais vaidade neles. Apenas quando são nada tornam-se tudo.
A vaidade é a força motivadora de todos os ataques de melancolia.
Os guerreiros podem ter profundos estados de tristeza, mas a tristeza está presente apenas para faze-los rir.
Vontade – intenção – nova ordem
No caminho do guerreiro qualquer guerreiro pode ser bem-sucedido com as pessoas desde que desloque seu ponto de aglutinação para uma posição em que se torna indiferente se as pessoas gostam dele, não gostam ou ignoram.
A maneira de mover os pontos de aglutinação é estabelecer novos hábitos, faze-los deslocarem-se pela vontade. A única maneira de lidar com guerreiros insuperáveis é não ter vaidade, para poder louva-los com o espírito aberto.
O deslocamento do ponto de aglutinação não está ligado a uma explosão emocional, mas à ação. A compreensão emocional chega anos depois que os guerreiros já consolidaram, pelo uso, a nova posição de seus pontos de aglutinação.
São necessários anos para tornar-se um guerreiro impecável. Para suportar o impacto do impulso da terra, você precisa ser melhor do que agora.. a rapidez do impulso irá dissolver tudo em você. Sob seu impacto, tornamo-nos nada. Velocidade e sentido de existência individual não combinam.
O alinhamento é a passagem secreta, e o impulso da terra é a chave.
Estava consciente, entretanto, de tudo ao meu redor por meio de uma capacidade ao mesmo tempo estranha e extremamente familiar. A visão do mundo veio a mim de uma só vez. Tudo em mim via; a totalidade do que eu, em mim de uma só vez. Tudo em mim via; a totalidade do que eu, em minha consciência normal, chamo de meu corpo era capaz de sentir como se fosse um enorme olho que detecta tudo.
A posição do ponto de aglutinação é tudo, o mundo que ele nos faz perceber é tão real que não deixa espaço para nada além da realidade. O mundo desaparece no ar quando um novo alinhamento total nos faz perceber outro mundo total.
O alinhamento é uma força única porque ou ajuda o ponto de aglutinação a se deslocar, ou o mantém agarrado à sua posição costumeira. O aspecto do alinhamento que mantém o ponto estacionário é a vontade; e o aspecto que o faz mudar é a intenção. Um dos mistérios mais assombrosos é como a vontade, a força impessoal do alinhamento, se transforma em intenção, a força personalizada, a serviço de cada indivíduo. A parte mais estranha deste mistério é que a mudança é tão fácil de realizar, mas o que não é tão fácil é convencer a nós mesmos que isso é possível. É aí que reside nossa segurança. Temos de ser convencidos. E nenhum de nós quer sê-lo.
Deslocar o ponto de aglutinação de sua localização natural e mantê-lo fixo em nova localização é estar adormecido; com a prática, os videntes aprendem a estar adormecidos e ainda assim atuar como se nada acontecesse com eles.
Relaxar os músculos, silenciar o diálogo interno, golpear-se suave mas firmemente em seu lado direito, entre a anca e a caixa torácica. Depois disso ver-se profundamente adormecido, num estado extremamente peculiar de sonho. O corpo fica dormente, mas se encontra perfeitamente consciente de tudo que acontece.
O derrubador é uma força das emanações da águia. Uma força incessante, que nos atinge a cada instante de nossas vidas. É letal quando vista, mas de outro modo não a percebemos em nossa existência ordinária, porque temos escudos protetores. Temos interesses absorventes, que ocupam toda a nossa existência. Estamos permanentemente procupados com nosso status e nossas propriedades. Esses escudos protetores não mantêm o derrubador afastado, simplesmente nos impedem de vê-lo diretamente, protegendo-nos de sermos feridos pelo pavor de ver as bolas de fogo atingindo-nos. Os escudos são uma grande ajuda e um grande obstáculo para nós. Acalmam-nos e ao mesmo tempo nos enganam. Dão-nos uma falsa sensação de segurança.
Chegará um momento em minha vida em que ficaremos sem qualquer escudo, o tempo todo à mercê do derrubador. Este é um estágio obrigatório na vida de um guerreiro, conhecido como a perda da forma humana.
Espíritos criados por Deus com inteligência e leis referenciais, somos, de início, como que teleguiados pelos instintos que devemos ir sublimando no esforço transformador das sensações no rumo dos sentimentos. E nessa viagem, que ora nos convida ao repouso e ora nos estimula a prosseguir, perpassamos por desafios emocionais que se desordenam pelos impactos, emergidos dos registros que estão no inconsciente profundo dou por interligações espirituais externas a que, invigilantemente, nos submetemos como vítimas em provas que devem vencer só vencendo-se.
A essa vitória somente se sedimentarão a medida que nos dediquemos ao autoconhecimento.
Cada um de nós, seres humanos, tem duas mentes. Uma é totalmente nossa, e é como uma voz fraca que sempre nos traz ordem, integridade, propósito, é o produto de todas as nossas experiências, aquela que raramente fala porque foi vencida e relegada à obscuridade A outra mente é a mente que usamos diariamente para tudo o que fazemos, é uma instalação forânea. Nos traz conflito, auto-afirmação, dúvidas, desesperança.
Nossas mesquinharias e contradições são o resultado de um conflito transcendental que atinge cada um de nós, mas que somente os feiticeiros são dolorosa e irremediavelmente conscientes dele: o conflito entre as nossas duas mentes.
Resolver o conflito das duas mentes é uma questão de intenta-lo. Os feiticeiros chamam o intento quando pronunciam a palavras intento em voz forte e clara. Intento é uma força que existe no universo. Quando os feiticeiros chamam o intento, ele lher chega e prepara o caminho para as suas realizações, isso significa que os feiticeiros sempre concretizam aquilo a que se propõem.
Pode-se chamar o intento para qualquer coisa, mas os feiticeiros descobriram, a duras penas, que o intento só vem a eles para algo que é abstrato. Essa é a válvula de segurança dos feiticeiros; de outra forma eles seriam insuportáveis. Chamar o intento para resolver o conflito entre as duas mentes não é uma questão mesquinha nem arbitrária. Pelo contrário, é um assunto etéreo e abstrato, mas tão vital como qualquer outra coisa.
Em relação à coleção de eventos memoráveis: a seleção do que colocar no seu álbum não é coisa fácil. Essa é a razão pela qual eu disse que fazer esse álbum é um ato de guerra. Você deve refazer a si mesmo mais de dez vezes a fim de saber o que selecionar. Os eventos memoráveis do álbum de um xamã são assuntos que sobreviverão à prova do tempo porque não têm nada a ver com ele, embora ele esteja no meio deles. E estará sempre no meio deles, durante toda a vida, talvez até além dela, mas não de maneira pessoal.
Os feiticeiros dizem que em cada explicação há um pedido de desculpas escondido.

Por: Mariana Carvalho

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A epidemia de doença mental (reportagem na íntegra - revista Piauí, nº 59)






A epidemia de doença mental














Por que cresce assombrosamente o número de pessoas com transtornos mentais e de pacientes tratados com antidepressivos e outros medicamentos psicoativos












por Marcia Angell



Parece que os americanos estão em meio a uma violenta epidemia de doenças mentais. A quantidade de pessoas incapacitadas por transtornos mentais, e com direito a receber a renda de seguridade suplementar ou o seguro por incapacidade, aumentou quase duas vezes e meia entre 1987 e 2007 – de 1 em cada 184 americanos passou para 1 em 76.






No que se refere às crianças, o número é ainda mais espantoso: um aumento de 35 vezes nas mesmas duas décadas. A doença mental é hoje a principal causa de incapacitação de crianças, bem à frente de deficiências físicas como a paralisia cerebral ou a síndrome de Down.



Um grande estudo de adultos (selecionados aleatoriamente), patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, realizado entre 2001 e 2003, descobriu que um percentual assombroso de 46% se encaixava nos critérios estabelecidos pela Associação Americana de Psiquiatria, por ter tido em algum momento de suas vidas pelo menos uma doença mental, entre quatro categorias.






As categorias seriam “transtornos de ansiedade”, que incluem fobias e estresse pós-traumático; “transtornos de humor”, como depressão e transtorno bipolar; “transtornos de controle dos impulsos”, que abrangem problemas de comportamento e de déficit de atenção/hiperatividade; e “transtornos causados pelo uso de substâncias”, como o abuso de álcool e drogas. A maioria dos pesquisados se encaixava em mais de um diagnóstico.






O tratamento médico desses transtornos quase sempre implica o uso de drogas psicoativas, os medicamentos que afetam o estado mental.Na verdade, a maioria dos psiquiatras usa apenas remédios no tratamento e encaminha os pacientes para psicólogos ou terapeutas se acha que uma psicoterapia é igualmente necessária.






A substituição da “terapia de conversa” pela das drogas como tratamento majoritário coincide com o surgimento, nas últimas quatro décadas, da teoria de que as doenças mentais são causadas por desequilíbrios químicos no cérebro, que podem ser corrigidos pelo uso de medicamentos. Essa teoria passou a ser amplamente aceita pela mídia e pelo público, bem como pelos médicos, depois que o Prozac chegou ao mercado, em 1987, e foi intensamente divulgado como um corretivo para a deficiência de serotonina no cérebro.



O número de pessoas depressivas tratadas triplicou nos dez anos seguintes e, hoje, cerca de 10% dos americanos com mais de 6 anos de idade tomam antidepressivos. O aumento do uso de drogas para tratar a psicose é ainda mais impressionante. A nova geração de antipsicóticos, como o Risperdal, o Zyprexa e o Seroquel, ultrapassou os redutores do colesterol no topo da lista de remédios mais vendidos nos Estados Unidos.



O que está acontecendo? A preponderância das doenças mentais sobre as físicas é de fato tão alta, e continua a crescer? Se os transtornos mentais são biologicamente determinados e não um produto de influências ambientais, é plausível supor que o seu crescimento seja real? Ou será que estamos aprendendo a diagnosticar transtornos mentais que sempre existiram? Ou, por outro lado, será que simplesmente ampliamos os critérios para definir as doenças mentais, de modo que quase todo mundo agora sofre de uma delas? E o que dizer dos medicamentos que viraram a base dos tratamentos? Eles funcionam? E, se funcionam, não deveríamos esperar que o número de doentes mentais estivesse em declínio e não em ascensão?







Essas são as questões que preocupam os autores de três livros provocativos, aqui analisados. Eles vêm de diferentes formações: Irving Kirsch é psicólogo da Universidade de Hull, no Reino Unido; Robert Whitaker é jornalista; e Daniel Carlat é um psiquiatra que clinica num subúrbio de Boston.






Os autores enfatizam diferentes aspectos da epidemia de doença mental. Kirsch está preocupado em saber se os antidepressivos funcionam. Whitaker pergunta se as drogas psicoativas não criam problemas piores do que aqueles que resolvem. Carlat examina como a sua profissão se aliou à indústria farmacêutica e é manipulada por ela. Mas, apesar de suas diferenças, os três estão de acordo sobre algumas questões importantes.



Em primeiro lugar, concordam que é preocupante a extensão com a qual as empresas que vendem drogas psicoativas – por meio de várias formas de marketing, tanto legal como ilegal, e usando o que muita gente chamaria de suborno – passaram a determinar o que constitui uma doença mental e como os distúrbios devem ser diagnosticados e tratados.



Em segundo lugar, nenhum dos três aceita a teoria de que a doença mental é provocada por um desequilíbrio químico no cérebro. Whitaker conta que essa teoria surgiu pouco depois que os remédios psicotrópicos foram introduzidos no mercado, na década de 50. O primeiro foi o Amplictil (clorpromazina), lançado em 1954, que rapidamente passou a ser muito usado em hospitais psiquiátricos, para acalmar pacientes psicóticos, sobretudo os com esquizofrenia. No ano seguinte, chegou o Miltown (meprobamato), vendido para tratar a ansiedade em pacientes ambulatoriais. Em 1957, o Marsilid (iproniazid) entrou no mercado como um “energizador psíquico” para tratar a depressão.



Desse modo, no curto espaço de três anos, tornaram-se disponíveis medicamentos para tratar aquelas que, na época, eram consideradas as três principais categorias de doença mental – ansiedade, psicose e depressão – e a psiquiatria transformou-se totalmente. Essas drogas, no entanto, não haviam sido desenvolvidas para tratar doenças mentais. Elas foram derivadas de remédios destinados ao combate de infecções, e se descobriu por acaso que alteravam o estado mental.



No início, ninguém tinha ideia de como funcionavam. Elas simplesmente embotavam sintomas mentais perturbadores. Durante a década seguinte, pesquisadores descobriram que essas drogas afetavam os níveis de certas substâncias químicas no cérebro.








Um pouco de pano de fundo, e necessariamente muito simplificado: o cérebro contém bilhões de células nervosas, os neurônios, distribuídos em redes complexas, que se comunicam uns com os outros constantemente. O neurônio típico tem múltiplas extensões filamentosas (uma chamada axônio e as outras chamadas dendritos), por meio das quais ele envia e recebe sinais de outros neurônios. Para um neurônio se comunicar com outro, no entanto, o sinal deve ser transmitido através do minúsculo espaço que os separa, a sinapse. Para conseguir isso, o axônio do neurônio libera na sinapse uma substância química chamada neurotransmissor.







O neurotransmissor atravessa a sinapse e liga-se a receptores no segundo neurônio, muitas vezes um dendrito, ativando ou inibindo a célula receptora. Os axônios têm vários terminais e, desse modo, cada neurônio tem múltiplas sinapses. Depois, o neurotransmissor é reabsorvido pelo primeiro neurônio ou metabolizado pelas enzimas, de tal modo que o status quo anterior é restaurado.








Quando se descobriu que as drogas psicoativas afetam os níveis de neurotransmissores, surgiu a teoria de que a causa da doença mental é uma anormalidade na concentração cerebral desses elementos químicos, a qual é combatida pelo medicamento apropriado.



Por exemplo: como o Thorazine diminui os níveis de dopamina no cérebro, postulou-se que psicoses como a esquizofrenia são causadas por excesso de dopamina. Ou então: tendo em vista que alguns antidepressivos aumentam os níveis do neurotransmissor chamado serotonina, defendeu-se que a depressão é causada pela escassez de serotonina. Antidepressivos como o Prozac ou o Celexa impedem a reabsorção de serotonina pelos neurônios que a liberam, e assim ela permanece mais nas sinapses e ativa outros neurônios. Desse modo, em vez de desenvolver um medicamento para tratar uma anormalidade, uma anormalidade foi postulada para se adequar a um medicamento.



Trata-se de uma grande pirueta lógica, como apontam os três autores. Era perfeitamente possível que as drogas que afetam os níveis dos neurotransmissores pudessem aliviar os sintomas, mesmo que os neurotransmissores não tivessem nada a ver com a doença. Como escreve Carlat: “Por essa mesma lógica, se poderia argumentar que a causa de todos os estados de dor é uma deficiência de opiáceos, uma vez que analgésicos narcóticos ativam os receptores de opiáceos do cérebro.” Ou, do mesmo modo, se poderia dizer que as febres são causadas pela escassez de aspirina.







Mas o principal problema com essa teoria é que, após décadas tentando prová-la, os pesquisadores ainda estão de mãos vazias. Os três autores documentam o fracasso dos cientistas para encontrar boas provas a seu favor. Antes do tratamento, a função dos neurotransmissores parece ser normal nas pessoas com doença mental. Nas palavras de Whitaker:







Antes do tratamento, os pacientes diagnosticados com depressão, esquizofrenia e outros transtornos psiquiátricos não sofrem nenhum “desequilíbrio químico”. No entanto, depois que uma pessoa passa a tomar medicação psiquiátrica, que perturba a mecânica normal de uma via neuronal, seu cérebro começa a funcionar... anormalmente.







Carlat refere-se à teoria do desequilíbrio químico como um “mito” (que ele chama de “conveniente” porque reduziria o estigma da doença mental). E Kirsch,cujo livro centra-se na depressão, resume a questão assim: “Parece fora de dúvida que o conceito tradicional de considerar a depressão como um desequilíbrio químico no cérebro está simplesmente errado.” (O motivo da persistência dessa teoria, apesar da falta de provas, é um tema que tratarei adiante.)







Os remédios funcionam? Afinal de contas, independentemente da teoria, essa é a questão prática. Em seu livro seco e extremamente cativante, The Emperor’s New Drugs [As Novas Drogas do Imperador], Kirsch descreve os seus quinze anos de pesquisa científica para responder a essa pergunta, no que diz respeito aos antidepressivos.



Quando começou o trabalho em 1995, seu principal interesse eram os efeitos de placebos. Para estudá-los, ele e um colega revisaram 38 ensaios clínicos que comparavam vários tratamentos da depressão com placebos, ou comparavam a psicoterapia com nenhum tratamento. A maioria dessas experiências durava de seis a oito semanas, e durante esse período os pacientes tendiam a melhorar um pouco, mesmo se não tivessem nenhum tratamento.






Mas Kirsch descobriu que os placebos eram três vezes mais eficazes do que a ausência de tratamento. Isso não o surpreendeu. O que o surpreendeu mesmo foi que os antidepressivos foram apenas marginalmente mais úteis do que os placebos: 75% dos placebos foram tão eficazes quanto os antidepressivos. Kirsch resolveu então repetir o estudo, dessa vez com a análise de um conjunto de dados mais completo e padronizado.






Os dados que ele usou foram obtidos da Food and Drug Administration, a FDA [o órgão público americano encarregado do licenciamento e controle de medicamentos]. Quando buscam a aprovação da FDA para comercializar um novo remédio, os laboratórios farmacêuticos devem apresentar à agência todos os testes clínicos que patrocinaram. Os testes são geralmente duplo-cego e controlados com placebo. Ou seja: os pacientes participantes recebem aleatoriamente a droga ou o placebo, e nem eles nem os seus médicos sabem o que receberam.







Os pacientes são informados de que receberão ou um medicamento ativo ou um placebo. E também são avisados dos efeitos colaterais que podem ocorrer. Se dois testes comprovam que o medicamento é mais eficaz do que o placebo, ele é geralmente aprovado. Mas os laboratórios podem patrocinar quantos testes quiserem, e a maioria deles pode dar negativo – isto é, não mostrar a eficácia do remédio. Tudo o que eles precisam é de dois testes com resultados positivos. (Os resultados dos testes de um mesmo medicamento podem variar por muitas razões, entre elas a forma como o ensaio foi concebido e realizado, seu tamanho e os tipos de pacientes pesquisados.)







Por razões óbvias, as indústrias farmacêuticas fazem questão de que seus testes positivos sejam publicados em revistas médicas, e os médicos fiquem sabendo deles. Já os testes negativos ficam nas gavetas da FDA, que os considera propriedade privada e, portanto, confidenciais. Essa prática distorce a literatura médica, o ensino da medicina e as decisões de tratamento.






Kirsch e seus colegas usaram a Lei de Liberdade de Informação para obter as revisões da FDA de todos os testes clínicos controlados por placebo, positivos ou negativos, submetidos para a aprovação dos seis antidepressivos mais utilizados, aprovados entre 1987 e 1999: Prozac, Paxil, Zoloft, Celexa, Serzone e Effexor.





Ao todo, havia 42 testes das seis drogas. A maioria deles era negativo. No total, os placebos eram 82% tão eficazes quanto os medicamentos, tal como medido pela Escala de Depressão de Hamilton, uma classificação dos sintomas de depressão amplamente utilizada. A diferença média entre remédio e placebo era de apenas 1,8 ponto na Escala, uma diferença que, embora estatisticamente significativa, era insignificante do ponto de vista clínico. Os resultados foram quase os mesmos para as seis drogas: todos igualmente inexpressivos. No entanto, como os estudos positivos foram amplamente divulgados, enquanto os negativos eram escondidos, o público e os médicos passaram a acreditar que esses medicamentos antidepressivos eram altamente eficazes.



Kirsch ficou impressionado com outro achado inesperado. Em seu estudo anterior, e em trabalhos de outros, observara que até mesmo tratamentos com substâncias que não eram consideradas antidepressivas – como hormônio sintético da tireoide, opiáceos, sedativos, estimulantes e algumas ervas medicinais – eram tão eficazes quanto os antidepressivos para aliviar os sintomas da depressão. Kirsch escreve: “Quando administrados como antidepressivos, remédios que aumentam, diminuem ou não têm nenhuma influência sobre a serotonina aliviam a depressão mais ou menos no mesmo grau.”






O que todos esses medicamentos “eficazes” tinham em comum era que produziam efeitos colaterais, sobre os quais os pacientes participantes haviam sido informados de que poderiam ocorrer.






Diante da descoberta de que quase qualquer comprimido com efeitos colaterais era ligeiramente mais eficaz no tratamento da depressão do que um placebo, Kirsch especulou que a presença de efeitos colaterais em indivíduos que recebem medicamentos lhes permitia adivinhar que recebiam tratamento ativo – e isso foi corroborado por entrevistas com pacientes e médicos –, o que os tornava mais propensos a relatar uma melhora. Ele sugere que a razão pela qual os antidepressivos parecem funcionar melhor no alívio de depressão grave do que em casos menos graves é que os pacientes com sintomas graves provavelmente tomam doses mais elevadas e, portanto, sofrem mais efeitos colaterais.






Para investigar melhor se os efeitos colaterais distorciam as respostas, Kirsch analisou alguns ensaios que utilizaram placebos “ativos”, em vez de inertes. Um placebo ativo é aquele que produz efeitos colaterais, como a atropina – droga que bloqueia a ação de certos tipos de fibras nervosas. Apesar de não ser um antidepressivo, a atropina causa, entre outras coisas, secura da boca. Em testes utilizando atropina como placebo, não houve diferença entre os antidepressivos e o placebo ativo. Todos tinham efeitos colaterais, e todos relataram o mesmo nível de melhora.



Kirsch registrou outras descobertas estranhas em testes clínicos de antidepressivos, entre elas o fato de que não há nenhuma curva de dose-resposta, ou seja, altas doses não funcionavam melhor do que as baixas, o que é extremamente improvável para medicamentos eficazes.



“Ao se juntar tudo isso”, escreve Kirsch,“chega-se à conclusão de que a diferença relativamente pequena entre medicamentos e placebos pode não ser um efeito verdadeiro do remédio. Em vez disso, pode ser um efeito placebo acentuado, produzido pelo fato de que alguns pacientes passaram a perceber que recebiam medicamentos ou placebos. Se este for o caso, então não há nenhum efeito antidepressivo dos medicamentos. Em vez de compararmos placebo com remédio, estávamos comparando placebos ‘normais’ com placebos ‘extrafortes’.”






Trata-se de uma conclusão surpreendente, que desafia a opinião médica, mas Kirsch chega a ela de uma forma cuidadosa e lógica. Psiquiatras que usam antidepressivos – e isso significa a maioria deles – e pacientes que os tomam talvez insistam que sabem por experiência clínica que os medicamentos funcionam.



Mas casos individuais são uma forma traiçoeira de avaliar tratamentos médicos, pois estão sujeitos a distorções. Eles podem sugerir hipóteses a serem estudadas, mas não podem prová-las. É por isso que o desenvolvimento do teste clínico duplo-cego, aleatório e controlado com placebo, foi um avanço tão importante na ciência médica, em meados do século passado. Histórias sobre sanguessugas, megadoses de vitamina cou vários outros tratamentos populares não suportariam o escrutínio de testes bem planejados. Kirsch é um defensor devotado do método científico e sua voz, portanto, traz objetividade a um tema muitas vezes influenciado por subjetividade, emoções ou, como veremos, interesse pessoal.





O livro de Whitaker, Anatomy of an Epidemic , é mais amplo e polêmico. Ele leva em conta todas as doenças mentais, não apenas a depressão. EnquantoKirsch conclui que os antidepressivos não são provavelmente mais eficazes do que placebos, Whitaker conclui que eles e a maioria das drogas psicoativas não são apenas ineficazes, mas prejudiciais. Whitaker começa por observar que, se o tratamento de doenças mentais por meio de medicamentos disparou, o mesmo aconteceu com as patologias tratadas:







O número de doentes mentais incapacitados aumentou imensamente desde 1955 e durante as duas últimas décadas, período em que a prescrição de medicamentos psiquiátricos explodiu e o número de adultos e crianças incapacitados por doença mental aumentou numa taxa alucinante. Assim, chegamos a uma pergunta óbvia, embora herética: o paradigma de tratamento baseado em drogas poderia estar alimentando, de alguma maneira imprevista, essa praga dos tempos modernos?







Além disso, Whitaker sustenta que a história natural da doença mental mudou. Enquanto transtornos como esquizofrenia e depressão eram outrora episódicos, e cada episódio durava não mais de seis meses, sendo intercalado por longos períodos de normalidade, os distúrbios agora são crônicos e duram a vida inteira. Whitaker acredita que isso talvez aconteça porque os medicamentos, mesmo aqueles que aliviam os sintomas em curto prazo, causam em longo prazo danos mentais que continuam depois que a doença teria naturalmente se resolvido.







As provas que ele apresenta para essa teoria variam em qualidade. Whitaker não reconhece suficientemente a dificuldade de estudar a história natural de qualquer doença durante um período de cinquenta anos, no qual muitas circunstâncias mudaram, além do uso de medicamentos. É ainda mais difícil comparar resultados de longo prazo de pacientes tratados e não tratados. No entanto, os indícios de Whitaker são sugestivos, se não conclusivos.





Se as drogas psicoativas causam danos, como afirma Whitaker, qual é o seu mecanismo? A resposta, ele acredita, encontra-se em seus efeitos sobre os neurotransmissores. É bem sabido que as drogas psicoativas perturbam os neurotransmissores, mesmo que essa não seja a causa primeira da doença.



Whitaker descreve uma cadeia de efeitos. Quando, por exemplo, um antidepressivo como o Celexa aumenta os níveis de serotonina nas sinapses, ele estimula mudanças compensatórias por meio de um processo chamado feedbacknegativo. Em reação aos altos níveis de serotonina, os neurônios que a secretam liberam menos dela, e os neurônios pós-sinápticos tornam-se insensíveis a ela. Na verdade, o cérebro está tentando anular os efeitos da droga. O mesmo vale para os medicamentos que bloqueiam neurotransmissores, exceto no sentido inverso.



A maioria dos antipsicóticos, por exemplo, bloqueia a dopamina, mas os neurônios pré-sinápticos compensam isso liberando mais dopamina, e os neurônios pós-sinápticos a aceitam com mais avidez.












As consequências do uso prolongado de drogas psicoativas, nas palavras de Steve Hyman, até recentemente reitor da Universidade de Harvard, são “alterações substanciais e de longa duração na função neural”.












Depois de várias semanas de drogas psicoativas, os esforços de compensação do cérebro começam a falhar e surgem efeitos colaterais que refletem o mecanismo de ação dos medicamentos. Antipsicóticos causam efeitos secundários que se assemelham ao mal de Parkinson, por causa do esgotamento de dopamina (que também se esgota no Parkinson). À medida que surgem efeitos colaterais, eles são tratados por outros medicamentos, e muitos pacientes acabam tomando um coquetel de drogas psicoativas, prescrito para um coquetel de diagnósticos. Os episódios de mania causada por antidepressivos podem levar a um novo diagnóstico de “transtorno bipolar” e ao tratamento com um “estabilizador de humor”, como Depokote (anticonvulsivo), acompanhado de uma das novas drogas antipsicóticas. E assim por diante.












A respeitada pesquisadora Nancy Andreasen e seus colegas publicaram indícios de que o uso de antipsicóticos está associado ao encolhimento do cérebro, e que o efeito está diretamente relacionado à dose e à duração do tratamento. Como Andreasen explicou ao New York Times: “O córtex pré-frontal não obtém o que precisa e vai sendo fechado pelos medicamentos. Isso reduz os sintomas psicóticos. E faz também com que o córtex pré-frontal se atrofie lentamente.”












Largar os remédios é extremamente difícil, segundo Whitaker, porque quando eles são retirados, os mecanismos compensatórios ficam sem oposição. Quando se retira o Celexa, os níveis de serotonina caem bruscamente porque os neurônios pré-sinápticos não estão liberando quantidades normais. Da mesma forma, quando se suspende um antipsicótico, os níveis de dopamina podem disparar.Os sintomas produzidos pela retirada de drogas psicoativas são confundidos com recaídas da doença original, o que pode levar psiquiatras a retomar o tratamento com remédios, talvez em doses mais elevadas.






Whitaker está indignado com o que considera uma epidemia iatrogênica (isto é, introduzida inadvertidamente pelos médicos) de disfunção cerebral, especialmente a causada pelo uso generalizado dos novos antipsicóticos, como o Zyprexa, que provoca graves efeitos colaterais. Eis o que ele chama de “experimento de pensamento rápido”:







Imagine que aparece de repente um vírus que faz com que as pessoas durmam doze, catorze horas por dia. As pessoas infectadas se movimentam devagar e parecem emocionalmente desligadas. Muitas ganham quantidades imensas de peso – 10, 20 e até 50 quilos. Os seus níveis de açúcar no sangue disparam, assim como os de colesterol.








Vários dos atingidos pela doença misteriosa – entre eles, crianças e adolescentes – se tornam diabéticos. O governo federal dá centenas de milhões de dólares aos cientistas para decifrar o funcionamento do vírus, e eles relatam que ele bloqueia uma multidão de receptores no cérebro. Enquanto isso, exames de ressonância magnética descobrem que, ao longo de vários anos, o vírus encolhe o córtex cerebral, e esta diminuição está ligada ao declínio cognitivo. O público aterrorizado clama por uma cura.








Ora, essa doença está, de fato, atingindo milhões de crianças e adultos. Acabamos de descrever os efeitos do antipsicótico Zyprexa, um dos mais vendidos do laboratório Eli Lilly.








Leon Eisenberg, professor da Universidade Johns Hopkins e da Escola de Medicina de Harvard, escreveu que a psiquiatria americana passou,no final do século XX, de uma fase “descerebrada” para uma “desmentalizada”. Ele quis dizer que, antes das drogas psicoativas, os psiquiatras tinham pouco interesse por neurotransmissores ou outros aspectos físicos do cérebro. Em vez disso, aceitavam a visão freudiana de que a doença mental tinha suas raízes em conflitos inconscientes, geralmente com origem na infância, que afetavam a mente como se ela fosse separada do cérebro.





Com a entrada em cena dessas drogas, na década de 50 – processo que se acelerou na década de 80 –, o foco mudou para o cérebro. Os psiquiatras começaram a se referir a si mesmos como psicofarmacologistas, e se interessaram cada vez menos pelas histórias de vida dos pacientes.






A preocupação deles era eliminar ou reduzir os sintomas, tratando os pacientes com medicamentos que alterariam a função cerebral. Tendo sido um dos primeiros defensores do modelo biológico de doença mental, Eisenberg veio a se tornar um crítico do uso indiscriminado de drogas psicoativas, impulsionado pelas maquinações da indústria farmacêutica.



Quando as drogas psicoativas surgiram, houve um período de otimismo na profissão psiquiátrica, mas na década de 70 o otimismo deu lugar a uma sensação de ameaça. Ficaram claros os graves efeitos colaterais dos medicamentos e um movimento de antipsiquiatria lançou raízes, como exemplificam os escritos de Thomas Szasz e o filme Um Estranho no Ninho.






Havia também a concorrência crescente de psicólogos e terapeutas. Além disso, os psiquiatras sofreram divisões internas: alguns abraçaram o modelo biológico, outros se agarraram ao modelo freudiano, e uns poucos viam a doença mental como uma resposta sadia a um mundo insano. Ademais, dentro da medicina, os psiquiatras eram considerados uma espécie de parentes pobres: mesmo com suas novas drogas, eram vistos como menos científicos do que os outros especialistas, e sua renda era geralmente mais baixa.






No final da década de 70, os psiquiatras contra-atacaram, e com força. Como conta Robert Whitaker em Anatomy of an Epidemic, o diretor médico da Associação Americana de Psiquiatria, Melvin Sabshin, declarou, em 1977: “Devemos apoiar fortemente um esforço vigoroso para remedicalizar a psiquiatria.” E lançou uma campanha maciça de relações públicas para fazer exatamente isso.







A psiquiatria detinha uma arma poderosa, que seus concorrentes não podiam ter. Como cursaram medicina, os psiquiatras têm autoridade legal para escrever receitas. Ao abraçar o modelo biológico de doença mental, e o uso de drogas psicoativas para tratá-la, a psiquiatria conseguiu relegar os outros prestadores de serviços de saúde mental para cargos secundários. E se apresentou também como uma disciplina científica. E, o que é mais importante, ao enfatizar o tratamento medicamentoso, a psiquiatria tornou-se a queridinha da indústria farmacêutica, que logo tornou tangível sua gratidão.






A Associação Americana de Psiquiatria, a APA, estava preparando então a terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM, que estabelece os critérios de diagnóstico para todos os transtornos mentais. O presidente da Associação havia indicado Robert Spitzer, eminente professor de psiquiatria da Universidade de Columbia, para chefiar a força-tarefa que supervisionaria o Manual.







As duas primeiras edições, publicadas em 1952 e 1968, refletiam a visão freudiana da doença mental, e eram pouco conhecidas fora da profissão. Spitzer decidiu fazer da terceira edição, o DSM-III, algo bem diferente. Ele prometeu que o Manual seria “uma defesa do modelo médico aplicado a problemas psiquiátricos”, e o presidente da Associação, Jack Weinberg, disse que ele “deixaria claro para quem tivesse dúvidas que consideramos a psiquiatria uma especialidade da medicina”.





Quando foi publicado, em 1980, o DSM-III continha 265 diagnósticos (acima dos 182 da edição anterior) e logo teve um uso quase universal: não apenas por parte de psiquiatras, mas também por companhias de seguros, hospitais, tribunais, prisões, escolas, pesquisadores, agências governamentais e médicos de todas as especialidades. Seu principal objetivo era trazer coerência (normalmente chamada de “confiabilidade”) ao diagnóstico psiquiátrico. Ou seja, garantir que os psiquiatras que viam o mesmo paciente concordassem com o diagnóstico. Para isso, cada diagnóstico era definido por uma lista de sintomas, com limites numéricos. Por exemplo, ter pelo menos cinco de nove sintomas determinados garantia ao paciente um diagnóstico definitivo de episódio depressivo dentro da ampla categoria de “transtornos do humor”.



Mas havia outro objetivo: justificar o uso de drogas psicoativas. Com efeito, Carol Bernstein, a presidente da apa, reconheceu isso ao escrever: “Na década de 70, foi preciso facilitar um acordo sobre diagnósticos entre clínicos, cientistas e autoridades reguladoras, dada a necessidade de ligar os pacientes aos novos tratamentos farmacológicos.”





A terceira edição do Manual era talvez mais “confiável” do que as versões anteriores, mas confiabilidade não é a mesma coisa que validade. O termo confiabilidade é usado como sinônimo de “coerência”; validade refere-se à correção ou solidez. Se todos os médicos concordassem que as sardas são um sinal de câncer, o diagnóstico seria “confiável”, mas não válido.






O problema com o Manual é que, em todas as suas edições, ele simplesmente refletia as opiniões de seus autores. E, no caso do DSM-III, sobretudo as opiniões do próprio Spitzer, que foi apontado com justiça como um dos psiquiatras mais influentes do século xx. Em suas palavras, ele “pegou todo mundo com quem se sentia à vontade” para participar da força-tarefa de quinze membros, e houve queixas de que ele convocou poucas reuniões e conduziu o processo de uma maneira desordenada, mas ditatorial.






Num artigo de 1984 intitulado “As desvantagens do DSM-III superam suas vantagens”, George Vaillant, professor de psiquiatria de Harvard, afirmou que o DSM-III representou “uma audaciosa série de escolhas baseadas em palpite, gosto, preconceito e esperança”, o que parece ser uma boa descrição.







O DSM se tornou a bíblia da psiquiatria e, tal como a Bíblia cristã, dependia muito de algo parecido com a fé: não há nele citações de estudos científicos para sustentar suas decisões. É uma omissão espantosa, porque em todas as publicações médicas, sejam revistas ou livros didáticos, as declarações de fatos devem estar apoiadas em referências comprováveis. (Há quatro “livros de consulta” separados para a edição atual do DSM, que apresentam a razão para algumas decisões, junto com referências, mas isso não é a mesma coisa que referências específicas.)






Pode ser de muito interesse para um grupo de especialistas se reunir e dar suas opiniões, mas a menos que essas opiniões possam ser sustentadas por provas, elas não autorizam a deferência extraordinária dedicada ao DSM. “A cada edição subsequente”, escreve Daniel Carlat, “o número de categorias de diagnósticos se multiplicava, e os livros se tornaram maiores e mais caros. Cada um deles se tornou um best-seller, e o DSM é hoje uma das principais fontes de renda da Associação Americana de Psiquiatria.” O Manual atual, o DSM-IV, vendeu mais de 1 milhão de exemplares.






Os laboratórios farmacêuticos passaram a dar toda a atenção e generosidade aos psiquiatras, tanto individual como coletivamente, direta e indiretamente. Choveram presentes e amostras grátis, contratos de consultores e palestrantes, refeições, ajuda para participar de conferências. Quando os estados de Minnesota e Vermont implantaram “leis de transparência”, que exigem que os laboratórios informem todos os pagamentos a médicos, descobriu-se que os psiquiatras recebiam mais dinheiro do que os médicos de qualquer outra especialidade. A indústria farmacêutica também subsidia as reuniões da APA e outras conferências psiquiátricas. Cerca de um quinto do financiamento da APA vem agora da indústria farmacêutica.





Os laboratórios buscam conquistar psiquiatras de centros médicos universitários de prestígio. Chamados pela indústria de “líderes-chave de opinião”, eles são os profissionais que, por meio do que escrevem e ensinam, influenciam o tratamento das doenças mentais. Eles também publicam grande parte da pesquisa clínica sobre medicamentos e, o que é fundamental, determinam o conteúdo do DSM. Em certo sentido, eles são a melhor equipe de vendas que a indústria poderia ter e valem cada centavo gasto com eles. Dos 170 colaboradores da versão atual do DSM, dos quais quase todos poderiam ser descritos como líderes-chave, 95 tinham vínculos financeiros com laboratórios farmacêuticos, inclusive todos os colaboradores das seções sobre transtornos de humor e esquizofrenia.






Carlat pergunta: “Por que os psiquiatras estão na frente de todos os outros especialistas quando se trata de tomar dinheiro de laboratórios?” Sua resposta: “Nossos diagnósticos são subjetivos e expansíveis, e temos poucas razões racionais para a escolha de um tratamento em relação a outro.” Ao contrário das enfermidades tratadas pela maioria dos outros ramos da medicina, não há sinais ou exames objetivos para as doenças mentais – nenhum dado de laboratório ou descoberta por ressonância magnética – e as fronteiras entre o normal e o anormal são muitas vezes pouco claras. Isso torna possível expandir as fronteiras do diagnóstico ou até mesmo criar novas diagnoses, de uma forma que seria impossível, por exemplo, em um campo como a cardiologia. E as empresas farmacêuticas têm todo o interesse em induzir os psiquiatras a fazer exatamente isso.





Além do dinheiro gasto com os psiquiatras, os laboratórios apoiam muitos grupos de defesa de pacientes e organizações educacionais. Whitaker informa que, somente no primeiro trimestre de 2009, o “Eli Lilly deu 551 mil dólares à Aliança Nacional para Doenças Mentais, 465 mil dólares para a Associação Nacional de Saúde Mental, 130 mil dólares para um grupo de defesa dos pacientes de déficit de atenção/hiperatividade, e 69 250 dólares para a Fundação Americana de Prevenção ao Suicídio”.







E isso foi o que apenas um laboratório gastou em três meses; pode-se imaginar qual deve ser o total anual de todas as empresas que produzem drogas psicoativas. Esses grupos aparentemente existem para conscientizar a opinião pública sobre transtornos psiquiátricos, mas também têm o efeito de promover o uso de drogas psicoativas e influenciar os planos de saúde para cobri-los.







Como a maioria dos psiquiatras, Carlat trata seus pacientes apenas com medicamentos, sem terapia de conversa, e é sincero a respeito das vantagens de fazer isso. Ele calcula que, se atender três pacientes por hora com psicofarmacologia, ganha cerca de 180 dólares por hora dos planos de saúde. Em contrapartida, poderia atender apenas um paciente por hora com terapia de conversa, pela qual os planos lhe pagariam menos de 100 dólares. Carlat não acredita que a psicofarmacologia seja particularmente complicada, muito menos precisa, embora o público seja levado a acreditar que é.










Seu trabalho consiste em fazer aos pacientes uma série de perguntas sobre seus sintomas, para ver se eles combinam com algum dos transtornos catalogados no DSM. Esse exercício de correspondência, diz ele, propicia “a ilusão de que compreendemos os nossos pacientes, quando tudo o que estamos fazendo é atribuir-lhes rótulos”. Muitas vezes os pacientes preenchem critérios para mais de um diagnóstico, porque há sobreposição de sintomas.












Um dos pacientes de Carlat acabou com sete diagnósticos distintos. “Nós miramos sintomas distintos com os tratamentos, e outros medicamentos são adicionados para tratar os efeitos colaterais.” Um paciente típico, diz ele, pode estar tomando Celexa para depressão, Ativan para ansiedade, Ambien para insônia, Provigil para fadiga (um efeito colateral do Celexa) e Viagra para impotência (outro efeito colateral do Celexa).












Quanto aos próprios medicamentos, Carlat escreve que “há apenas um punhado de categorias guarda-chuva de drogas psicotrópicas”, sob as quais os medicamentos não são muito diferentes uns dos outros. Ele não acredita que exista muita base para escolher entre eles. E resume:












Assim é a moderna psicofarmacologia. Guiados apenas por sintomas, tentamos diferentes medicamentos, sem nenhuma concepção verdadeira do que estamos tentando corrigir, ou de como as drogas estão funcionando. Espanto-me que sejamos tão eficazes para tantos pacientes.












Carlat passa então a especular, como Kirsch em The Emperor’s New Drugs, que os pacientes talvez estejam respondendo a um efeito placebo ativado. Se as drogas psicoativas não são tudo o que é alardeado – e os indícios indicam que não são –, o que acontece com os próprios diagnósticos? Como eles se multiplicam a cada edição do DSM?










Em 1999, a APA começou a trabalhar em sua quinta revisão do DSM, programado para ser publicado em 2013. A força-tarefa de 27 membros é chefiada por David Kupfer, professor de psiquiatria da Universidade de Pittsburgh. Tal como nas edições anteriores, a força-tarefa é assessorada por vários grupos de trabalho, que agora totalizam cercade 140 membros, correspondentes às categorias principais de diagnóstico. As deliberações e propostas em curso foram amplamente divulgadas, e parece que a constelação de transtornos mentais vai crescer ainda mais.












Em particular, os limites dos diagnósticos serão ampliados para incluir os precursores dos transtornos, tais como “síndrome do risco de psicose” e “transtorno cognitivo leve” (possível início do mal de Alzheimer). O termo “espectro” é usado para ampliar categorias, e temos,por exemplo, “espectro de transtorno obsessivo-compulsivo”, “transtorno do espectro da esquizofrenia” e “transtorno do espectro do autismo”. E há propostas para a inclusão de distúrbios totalmente novos, como “transtorno hipersexual”, “síndrome das pernas inquietas” e “compulsão alimentar”. Até mesmo Allen Frances, presidente da força-tarefa do DSM-IV, escreveu que a próxima edição do Manual será uma “mina de ouro para a indústria farmacêutica”.







A indústria farmacêutica influencia psiquiatras a receitar drogas psicoativas até mesmo a pacientes para os quais os medicamentos não foram considerados seguros e eficazes. O que deveria preocupar enormemente é o aumento espantoso do diagnóstico e tratamento de doenças mentais em crianças, algumas com apenas 2 anos de idade. Essas crianças são tratadas muitas vezes com medicamentos que nunca foram aprovados pela FDA para uso nessa faixa etária, e têm efeitos colaterais graves. A prevalência de “transtorno bipolar juvenil” aumentou quarenta vezes entre 1993 e 2004, e a de “autismo” aumentou de 1 em 500 crianças para 1 em 90 ao longo da mesma década. Dez por cento dos meninos de 10 anos de idade tomam agora estimulantes diários para o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade.







Seria muito difícil achar uma criança de 2 anos que não seja às vezes irritante, um menino de 5ª série que não seja ocasionalmente desatento, ou uma menina no ensino médio que não seja ansiosa. Rotular essas crianças como tendo um transtorno mental e tratá-las com medicamentos depende muito de quem elas são e das pressões que seus pais enfrentam.



Como as famílias de baixa renda estão passando por dificuldades econômicas crescentes, muitas descobriram que o pedido de renda de seguridade suplementar com base na invalidez mental é a única maneira de sobreviver. Segundo um estudo da Universidade Rutgers, descobriu-se que crianças de famílias de baixa renda têm quatro vezes mais probabilidade de receber medicamentos antipsicóticos do que crianças com plano de saúde privado.



Os livros de Irving Kirsch, Robert Whitaker e Daniel Carlat são acusações enérgicas ao modo como a psiquiatria é praticada hoje em dia. Eles documentam o “frenesi” do diagnóstico, o uso excessivo de medicamentos com efeitos colaterais devastadores e os conflitos de interesse generalizados. Os críticos podem argumentar, como Nancy Andreasen o faz em seu artigo sobre a perda de tecido cerebral no tratamento antipsicótico de longo prazo, que os efeitos colaterais são o preço que se deve pagar para aliviar o sofrimento causado pela doença mental. Se soubéssemos que os benefícios das drogas psicoativas superam seus danos, isso seria um argumento forte, uma vez que não há dúvida de que muitas pessoas sofrem gravemente com doenças mentais. Mas como Kirsch, Whitaker e Carlat argumentam, essa expectativa pode estar errada.







No mínimo, precisamos parar de pensar que as drogas psicoativas são o melhor e, muitas vezes, o único tratamento para as doenças mentais. Tanto a psicoterapia como os exercícios físicos têm se mostrado tão eficazes quanto os medicamentos para a depressão, e seus efeitos são mais duradouros. Mas, infelizmente, não existe indústria que promova essas alternativas. Mais pesquisas são necessárias para estudar alternativas às drogas psicoativas.






Em particular, precisamos repensar o tratamento de crianças. Nesse ponto, o problema é muitas vezes uma família perturbada em circunstâncias conturbadas. Tratamentos voltados para essas condições ambientais – como auxílio individual para pais ou centros pós-escola para as crianças – devem ser estudados e comparados com o tratamento farmacológico.





No longo prazo, essas alternativas seriam provavelmente mais baratas. Nossa confiança nas drogas psicoativas, receitadas para todos os descontentes com a vida, tende a excluir as outras opções. Em vista dos riscos, e da eficácia questionável dos medicamentos em longo prazo, precisamos fazer melhor do que isso. Acima de tudo, devemos lembrar o consagrado ditado médico: em primeiro lugar, não causar dano (primum non nocere).











Sandoz Delysid (LSD 25) D-lysergic acid diethylamide tartrate Sugar-coated tablets containing 0.025 mg. (25 ug.) Ampoules of 1 ml. containing 0.1 mg. (100 ug.) for oral administration. The solution may also be injected s.c. or i.v. The effect is identical with that of oral administration but sets in more rapidly. INDICATIONS AND DOSAGE a) Analytical psychotherapy, to elicit release of repressed material and provide mental relaxation, particularly in anxiety states and obsessional neuroses. The initial dose is 25 ug. (1/4 of an ampoule or 1 tablet). This dose is increased at each treatment by 25 ug. until the optimum dose (usually between 50 and 200 ug.) is found. The individual treatments are best given at intervals of one week. b) Experimental studies on the nature of psychoses: By taking Delysid himself, the psychiatrist is able to gain an insight in the world of ideas and sensations of mental patients. Delysid can also be used to induce model psychoses of short duration in normal subjects, thus facilitating studies on the pathogenesis of mental disease. In normal subjects, doses of 25 to 75 ug. are generally sufficient to produce a hallucinatory psychosis (on an average 1 ug./kg. body weight). In certain forms of psychosis and in chronic alcoholism, higher doses are necessary (2 to 4 ug./kg. body weight). ANTIDOTE ~ The mental effects of Delysid can be rapidly reversed by the i.m. administration of 50 mg. chlorpromazine








Postado por Sandro Rodrigues no facebook